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Análise: Assassin's Creed Unity (PC/PS4/XBO) trava uma batalha mortal contra si mesmo

O novo jogo de uma das séries mais famosas do mundo encontra um oponente árduo em superar as expectativas que criou.

Qualquer um pode dizer que Assassin’s Creed já conquistou o seu espaço na história dos jogos. Uma franquia inovadora ao mesclar presente, passado e futuro com momentos históricos de importância mundial. Contudo, após diversos games e a conclusão do arco inicial na terceira iteração da série, a Ubisoft tenta encontrar uma maneira de renovar a franquia de um modo que choque toda a comunidade gamer. Bom, uma coisa é fato: Assassin’s Creed Unity (Multi) é, definitivamente, um choque.

“É uma revolta?” 

“Não, majestade, é uma revolução.”

O ano é 1789, e temos um povo insatisfeito com sua própria condição. Os ânimos estão exaltados, parece que a qualquer momento pode estourar uma revolta. Claro, uma revolta do ponto de vista nobre. Do povo, o que eles precisavam era de uma revolução. É nesse clima de bomba-relógio que pode engatilhar a qualquer momento que o jovem Arno começa a sua história.

Órfão de pai e de padrasto, Arno Victor Dorian se culpa por não ter sido capaz de salvar a vida daqueles que amava, os caminhos do rapaz acabam fazendo-o ser introduzido a uma irmandade secular conhecida como Irmandade dos Assassinos. Contudo, antes mesmo de ser um assassino, Arno é um humano, passível de sentir a revolta em que seu povo se encontra, e também de nutrir amor por uma mulher. O que ele não esperava era que as origens dessa mulher poderiam ser também sua condenação.

É neste clima que a história de Unity se molda, entre o conflito emocional entre Arno e Elise e a situação caótica que a França do século XVIII se encontrava. Conforme a trama vai passando, você vê as influências das decisões chocantes do povo trazendo consequências colossais para todo o ambiente, e vê passo a passo como uma revolução se forma. A fidelidade aos eventos históricos originais é impressionante, exceto por um deslize ou outro.
Mere see bow cool: enquanto Unity é completamente localizado para o Brasil, incluindo legendas e dublagem em português brasileiro, alguns podem preferir jogar com o áudio original, o que trará uma surpresa curiosa; o sotaque de todos os personagens é britânico. Enquanto é um detalhe ínfimo, chega a ser engraçado ouvir tão insistentemente os mesmos vícios de linguagem e formas de expressão que fica parecendo com uma usual viagem para a Inglaterra, só que, sabe, na França.
Toda essa ambientação é só reforçada pelos próprios personagens, e não pense que estou falando daqueles com nomes e fichas técnicas. Eu falo do vendedor de rua, da moça que passa pela feira de manhã, do jovem que brinca com os amigos. Cada pessoa é importante para a consumação da grande revolução que acometia Paris. É neste momento que se entende o porquê de Unity ter sido exclusivo da nova geração.

Terra da liberdade

A movimentação é
totalmente livre.
O choro também.
Os Estados Unidos que me perdoem, mas Paris é a nova terra da liberdade depois de Assassin’s Creed Unity. Digo isso porque, apesar de todos os jogos da série estimularem a exploração livre do cenário, nunca na série houve uma ênfase tão grande nisso como na nova iteração. A cidade é colossal, você vai se perder diversas vezes tentando desbravar todas as suas ruas, e mesmo os interiores das casas e prédios podem ser conhecidos. Visite a Bastilha, conheça seus segredos, esconda-se nas casas e se aventure nas sombras. Não há limites na sua locomoção.

E é claro que, para uma cidade tão grande, seria preciso uma população igualmente enorme. Diferente daqueles jogos que colocam um território gigante mas com poucas pessoas, aqui o número é equivalente, dando mais realismo para a própria situação. Podemos ver pessoas se aglomerando aos montes contra portões da alta burguesia, gritos de protestos ecoando em todas as ruas para impor a vontade do povo contra a realeza egoísta. A qualquer instante alguém pode puxar um protesto e parar as ruas, e isso só é possível pelas mecânicas renovadas da série que dão uma inteligência artificial para cada pessoa. Claro que isso, às vezes, foge do controle.
Não grite com a parede!: apesar do jogo ter sido programado para a nova geração, explorando ao máximo o potencial dos novos consoles, ele ainda apresenta diversas irregularidades e erros na programação, os chamados bugs e glitches. É comum que, em meio a toda a multidão, os gráficos não renderizem direito e alguém acabe sem rosto, ou atravessando ou uma parede, ou mesmo ver a inteligência artificial dos NPCs indo pro espaço e ver alguém erguendo uma placa e incitando a revolução virado para a parede. 
Para acompanhar o mundo renovado e expandido, as mecânicas de movimentação também foram retrabalhadas. O parkour agora é ainda mais fluido, não deixando o jogador preso a uma determinada rota ao iniciar seu caminho. Isso torna escapatórias ainda mais eficazes, bem como chegadas furtivas mais simples de serem executadas. Somente abusando dos novos métodos de locomoção que se pode explorar inteiramente o mapa de Paris, bem como encontrar todos seus tesouros e segredos.
Posso jogar só na TV?: hoje em dia é comum se estimular a interação entre jogos e periféricos, especialmente na era dos smartphones. Com isso temos um aplicativo para celular que acompanha Assassin’s Creed Unity, assim como um website. Inclusive, muitos dos baús e tesouros do jogo só podem ser conquistados quando jogando o game em conjunto com os periféricos. Sou a favor de estimular a interação com outros aparelhos na jogatina, mas forçar o jogador a usar o celular e o computador se quiser conquistar o jogo por completo — que ele já pagou para jogar? Não posso ficar só na TV não?
Mas claro, nenhuma recompensa é tão boa quanto a sensação de dever cumprido e de saber que conseguiu atingir seu objetivo com sua própria força. É aí que Unity realmente se destaca.

O mundo na ponta da lâmina

Quando o assunto é assassinato, Unity supera qualquer outro pelo simples fato de não se ater a modelos. Se você recebeu uma missão de abater alguém, o método que usará ficará totalmente à sua disposição. Claro, o jogo pode recomendar que você envenene a bebida do cidadão, mas você pode deixar ele falando sozinho e atacar com sua Phantom Blade, a nova arma favorita dos assassinos, ao permitir que se golpeie à distância com um disparador de dardos. É a sua forma de encontrar a melhor maneira de conquistar seu objetivo sem ser notado.
O rastro do fracasso: para ter certeza de que aprenderá com seus fracassos, uma das mecânicas do jogo envolve que você saiba onde errou em ser furtivo. Quando alguém percebe sua localização, uma silhueta como um fantasma do seu personagem fica naquele lugar. Dessa maneira, fica fácil saber onde houve falhas em sua estratégia para melhorar na próxima tentativa!
Além disto, o novo sistema de customização de equipamentos permite que você aprimore suas armas e vestimentas para garantir os melhores efeitos possíveis. Um certo capuz pode ampliar sua Eagle Vision, assim como uma calça pode te tornar mais furtivo e mais ágil nas seções de parkour. Isso tudo terá muita utilidade, especialmente no modo cooperativo, inovador em toda a série.

A livre customização é
um dos grandes atrativos.
Unity, como o próprio nome indica, estimula a união. Por isso que temos, pela primeira vez, quatro jogadores participando da campanha em conjunto. É possível convocar seus amigos para missões em equipe com interações completamente novas, bem como habilidades que funcionam exclusivamente em time. Imagine poder compartilhar da Eagle Vision de seus amigos: isso é possível.

Aliás, cooperação é fundamental nestas missões. Existem algumas em que o foco é apenas ser furtivo, e a recompensa depende de quantas vezes o seu time é identificado. Isso endossa a necessidade do grupo trabalhar em conjunto para melhores premiações. Como podem ver, Assassin’s Creed Unity tinha praticamente tudo para ser um jogo perfeito. Contudo, nem só de glórias a Revolução Francesa viveu, e o mesmo se aplica ao jogo.

Problemas de acabamento

Difícil se focar na vida
amorosa com o mundo
caindo ao seu redor.
Enquanto possui diversos pontos positivos, ele encontra diversas dificuldades em fazê-las se encaixarem. Por exemplo, em meio ao drama amoroso de Arno e a crise acometendo Paris, é difícil achar espaço para apreciar totalmente qualquer uma das histórias. Não há uma sintonia equilibrando as emoções de ambos, e fica difícil aproveitar por completo as duas experiências. E é uma pena, porque Arno é um grande personagem, um dos mais carismáticos da série, mas fica preso pelas limitações do próprio ambiente no qual vive.

Outra questão importante é como todo o conceito de Animus que havia até então foi meio que deixado de lado. Enquanto temos seções que colocam em uso as mecânicas da viagem no tempo — fazendo Arno surgir em outros momentos históricos de Paris —, a brincadeira de presente, passado e futuro é tratada com indiferença perante todo o esquema maior do momento histórico principal da trama. Aliás, o próprio nome Animus foi deixado de lado, dando vida para a plataforma via nuvem, Helix.
Mas eu já paguei pelo jogo!: uma das maiores decepções de Assassin’s Creed Unity reside exatamente no sistema de customização e da plataforma Helix. Uma nova moeda foi introduzida no game sob a alcunha de Helix Credits, e esta pode ser comprada com moeda real — ou seja, do seu bolso. Enquanto podem dizer que você só vai gastar com o game se você quiser, mas o simples fato de incluir microtransações em um título AAA é algo no mínimo estranho, para não dizer mercenário.
Por fim, dependendo da plataforma que estiver jogando e da atualização do jogo e do sistema, é possível encarar quedas drásticas na fluidez do game, com uma taxa de FPS (frames per second, quadros por segundo) chegando a valores inaceitáveis. Tudo bem que o jogo força aos limites o potencial de processamento dos consoles, mas se não era possível entregar um produto que chegasse na amplitude desejada, era melhor ter repensado a abordagem para o game em si.

E Paris foi ao chão

A sensação que tenho é que Assassin’s Creed Unity saiu cedo demais do forno, parecendo dourado e belo por fora, mas ainda cru em seu interior. Diversas pequenas falhas, tanto na coesão da trama como na programação em si, impedem o jogador de tirar máximo proveito do título. Este poderia ser o melhor jogo do ano facilmente, assim como poderia ser o melhor de toda a franquia. No fim das contas, o brilho que Unity emite não é o do ouro que ele vale, mas das chamas engolindo Paris.

Prós

  • Momento histórico extremamente marcante e profundo;
  • Liberdade nunca antes vista na série, seja para se locomover ou matar;
  • A cidade é colossal, muito a se explorar;
  • As multidões inteligentes fazem da ambientação mais realista;
  • Incontáveis missões secundárias;
  • Missões cooperativas são divertidas e envolventes;
  • Nenhum dos bugs quebram o jogo (isso é um pró?).

Contras

  • A história do personagem parece não casar bem com a da Revolução Francesa;
  • Bugs e glitches distraem da experiência, além de serem bem incômodos às vezes;
  • Quedas na framerate são extremamente desgastantes;
  • Microtransações em um jogo deste porte chega a ser algo inaceitável;
  • Obrigatoriedade do uso de periféricos (aplicativo e website) para máximo aproveitamento debilita o ritmo do jogo.
Assassin’s Creed Unity — PC/PS4/XBO — Nota: 7.5
Revisão: Vitor Tibério
Capa: Diego Migueis

Escreve para o GameBlast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do GameBlast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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