Diretor da associação de peritos federais critica “perícias” de Folha e Estadão: “achismo”

Diretor da associação de peritos federais critica “perícias” de Folha e Estadão: “achismo”

Para André Morisson, 24 horas é um “período incompatível” com necessário para o exame.

Diretor da associação de peritos federais critica “perícias” de Folha e Estadão: “achismo”

A polêmica do momento sobre a gravação da conversa entre o presidente Michel Temer e o ruralista Joesley Batista é a possibilidade de adulteração do áudio. Grandes jornais contrataram peritos que, 24 horas após a liberação do áudio, já tinham batido o martelo não apenas sobre o fato de haver edições, mas inclusive sobre quantas seriam: são um total exato de 50, ou de 14, ou nenhuma… Tudo depende do jornal que se estiver lendo. Temer, é claro, usou o maior número noticiado em seu pronunciamento de sábado.

O perito federal André Morisson é diretor da Associação Nacional dos Peritos Criminais Federais desde 2015. Antes disso, foi chefe por 11 anos do Serviço de Perícias em Audiovisual e Eletrônicos do Instituto Nacional de Criminalística, exatamente o setor que agora está analisando a gravação entregue por Joesley ao Ministério Público. Ao telefone, Morisson comentou sobre a corrida de jornais por contratar peritos que, no dia seguinte, já batiam o martelo sobre o áudio:

“Eu te asseguro que nós, peritos federais, jamais daríamos qualquer opinião em 24 horas, porque é um período incompatível com o exame que se precisaria para analisar devidamente o material.”

O especialista explica que uma análise desse calibre leva tempo, tecnologia de qualidade e mão de obra especializada. “As pessoas acham que um exame desses pode ser feito em tão pouco tempo, que é só ouvir e perceber… isso é achismo, não é emprego de técnica e de ciência”, critica Morisson, que diz ter ficado surpreso quando viu as capas dos jornais: “para mim, ficou claro que era um tempo muito curto para afirmações tão pesadas”.

Em comparação, ele explica que um áudio de meio minuto e com boa qualidade de gravação leva de 3 a 5 dias para ser devidamente analisado. Como a qualidade da gravação feita por Joesley é muito baixa e o tempo de duração é longo, o perito estima que sua análise dure “não menos do que três semanas”.

Briga de cachorro grande

Na sexta-feira, 19, o jornal Folha de S. Paulo afirmava categoricamente existirem 50 edições no áudio. Já o jornal O Estado de S. Paulo afirmava existirem 14 edições no áudio. A rádio CBN, das organizações Globo, que teve parte de sua programação captada pelo gravador de Joesley, afirmou inicialmente que o conteúdo da gravação coincidia com a programação da rádio — indicando não haver edições na gravação — mas depois voltou atrás, afirmando haver uma diferença de pouco mais de 6 minutos entre o gravado e o transmitido.

No fim de semana, o restante da família Globo subiu para o ringue: o Jornal Nacional e o jornal O Globo deram matérias criticando o perito contratado pela Folha de S. Paulo e, no domingo, o Fantástico selou a briga. “Ricardo [Caires dos Santos] costuma se apresentar como perito do Tribunal de Justiça de São Paulo, mas é apenas um prestador de serviços eventual da Justiça, sem nenhum vínculo com o Tribunal”, afirma o texto divulgado no site do programa.

As matérias veiculadas ainda afirmam que ele teria usado um software caseiro (Audacity) para analisar o áudio e que, após procurado pela equipe de O Globo, o profissional contratado pela Folha — que se apresenta como especializado em espionagem e como corretor de imóveisnegou haver 50 pontos de edição e disse não se considerar capaz de apontar a minutagem dos pontos de edição. No dia seguinte, a Folha deu uma nova matéria dizendo que o perito negava a nova versão, divulgada pela Globo. “Não é verdade”, teria respondido Santos sobre as acusações da Globo.

Temer usou a matéria da Folha como base de seu pronunciamento, no sábado, 20, para se defender das acusações de prevaricação:

“Registro que eu li hoje notícia do jornal Folha de S. Paulo de que perícia constatou que houve edição no áudio de minha conversa com o senhor Joesley Batista. Essa gravação clandestina, pelo que diz, foi manipulada e adulterada com objetivos nitidamente subterrâneos. E, incluída no inquérito sem a devida e adequada averiguação, levou muitas pessoas ao engano induzido e trouxe grave crise ao Brasil.”

Temer afirmou ainda que entraria com pedido de suspensão do inquérito no Supremo Tribunal Federal. Um dia depois, porém, na segunda feira, 22, o presidente desistiu de pedir a suspensão. Já a JBS sustenta desde sexta, 19, que o áudio está intocado. A Procuradoria Geral da República (PGR) afirmou, por meio de nota, que “foi feita uma avaliação técnica da gravação e concluiu que o áudio revela uma conversa lógica e coerente” e que “sua autenticidade poderá ser verificada no processo”.

Os próximos passos

Na segunda, 22, a PGR encaminhou o áudio para a Polícia Federal iniciar a perícia. A PF, por sua vez, pediu que Joesley entregue o gravador usado, para análises. O Ministério Público foi alvo de críticas na internet, por ter divulgado e anexado o áudio aos processos sem antes passar por uma perícia policial, apenas por análise oitiva. Morisson explica que isso faz parte do modus operandi de investigações que correm em segredo de justiça:

“Como passou na lógica contextual, é natural, nessa fase, a perícia ser requisitada. Numa fase judicial se faz, sim, a exigência da perícia, mas em fase investigativa é facultativo. Temos que ter em mente que, dependendo do sigilo da informação, o Ministério Público fica num ponto em que se pergunta se solicita a análise técnica ou se segue com sigilo. Pode existir, por exemplo, o risco em realizar a perícia e talvez vazar. É uma sinuca de bico.”

Ele explica que uma análise dessas envolve, basicamente, três etapas. Na primeira, se escuta a gravação avaliando se a conversa tem um sentido lógico e coerente. O MP já decidiu que sim. A segunda etapa é um perito especializado escutar a gravação para analisar os demais elementos ou “eventos” captados: o som do rádio, os ruídos e distorções que podem ser do próprio gravador, o som do ambiente etc.

A terceira etapa envolve análises virtuais. O áudio é destrinchado por softwares e algoritmos que analisam o espectro de som: um conjunto de gráficos que medem as ondas de som capturadas. Nessa etapa, cabe ao perito analisar os índices do espectrograma em cada milissegundo da gravação, explica Morisson:

“O perito  conhece os parâmetros do algoritmo e a  frequência do espectro do som ao longo do tempo, que tem um comportamento esperado. Caso tenha descontinuidade, pode ser uma edição de incremento ou de supressão. Ao mesmo tempo, quando esse comportamento não é o esperado, também não é automático que se entenda como uma edição. Primeiro o perito vai procurar entender se existe uma causa natural.”

 

Exemplos de gráficos de espectrogramas, utilizados para análise das ondas sonoras captadas por um gravador.

Ainda nesta fase, o gravador usado por Joesley passará por simulações a fim de verificar se o aparelho é capaz de produzir as distorções e os ruídos que atrapalham o entendimento completo da conversa. A defesa de Temer já está utilizando a qualidade do equipamento como argumento para invalidar a prova. “Causa estranheza que uma gravação dessa importância tenha sido feita com um gravador tão vagabundo”, afirmou o perito e professor da Unicamp, Ricardo Molina, contratado pela defesa de Temer, sem explicar qual seria o modelo do aparelho utilizado. Molina afirmou que o áudio é “imprestável”, que a gravação está “contaminada por tanta descontinuidade” e que, por isso, não poderia ser usada como prova.

Morisson, por outro lado, explica que a decisão sobre a utilidade da gravação como material probatório não cabe nem ao perito, muito menos à defesa:

“O trabalho da perícia é relatar os trechos contínuos, não nos cabe dar juízo de valor, também não cabe aos advogados. Essa mensuração é papel do juiz. É o juiz que vai dar o peso à prova, baseado nas informações periciais e nos demais itens do conjunto probatório.”

No caso de Temer, caberá ao Supremo Tribunal Federal decidir.

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