Especialistas em classe C e o preconceito mascarado

A especialização da propaganda foi uma tendência nos anos 90 e, seguindo uma espécie de modismo de sobrevivência, uma miríade de agências surgiu oferecendo expertises específicas para mídias e públicos. Um publicitário deve ser generalista por definição, ele tem que ter ouvidos, sensibilidade e criatividade suficientes para evoluir em todos os ambientes. Especialistas são a nossa antítese e um caroço duro de roer nas estratégias de comunicação das marcas.

Especialistas se justificam sempre através da classificação. Ao criar castas de consumidores, se outorgam uma segregação das estratégias de comunicação. E toda classificação esconde perigosos dogmas e preconceitos.

Vejamos a especialização mais fragorosa dos últimos anos: a da classe C. Apesar de não escancarar nenhum juízo moral, ela costuma disfarçar alguns preceitos que justificam suas teorias.

Vale alertar que nenhum dos chamados especialistas irá se reconhecer aqui, mas talvez valha fazer um exame crítico da próxima vez em que formos seduzidos pelo discurso “solucionático”: “a gente sabe falar com essa classe”.

O que se esconde atrás das técnicas “especializadas” de abordagem da classe C é que: ela é financeiramente despreparada; que nela as mulheres são inferiores; que seus integrantes são feiosos e gordos; que moram de aluguel e sonham mudar-se para bairros nobres; que não viajam nem podem sonhar com o lazer; que só se deixam influenciar pelo preço dos produtos e nenhum outro argumento os seduz; que são desplugados e que são ignorantes.

Pois bem, alguns contraexemplos:

– Só 27% da classe C compra a prestação contra 41% das classes A e B.
– 32% das mulheres da classe C são provedoras do lar contra 25% das classes A e B.
– 77% da classe C concorda em pagar um pouco mais por produtos de qualidade de higiene pessoal.
– 64% das famílias de classe C são proprietárias do imóvel onde vivem.
– 77% da classe C considera que viagens e lazer são um luxo que merecem.
– A penetração, na classe C, de marcas de produtos de higiene, biscoitos, chocolates, sorvetes e outros geralmente considerados dirigidos às classes mais favorecidas é a mesma nas classes A e B.
– 84% da classe C tem celular, 47% tem computador e 51% tem acesso à Internet.
– 31% da população de estudantes universitários no Brasil tem renda familiar entre 1 e 5 salários mínimos.

Será que ainda faz algum sentido pensar em classes sociais na hora de criar boa comunicação? No mais das vezes, o aconselhamento especializado consegue inspirar a pior propaganda, no limite do insulto preconceituoso.

7 thoughts on “Especialistas em classe C e o preconceito mascarado

  1. Ora, viva! Adoro romper com preconceitos. Idem quando alguém os rompe. Me parece que, pelo menos até agora, trabalhamos forçosamente com generalizações, porque se eu quero vender um carro tenho que falar com “os que podem comprar carro”, se eu quero vender uma raquete tenho que falar “com os que gostam de jogar tênis”. Sabe lá Deus como fazer, ou como fazem vocês, planejadores, para localizar e identificar os hábitos e gostos dessas pessoas. Tá, eu sei, pesquisa e intuição. Mas é mesmo sufocante como a exacerbação das generalizações resulta na ensebação das encenações, em especialistas em “classe C”, “gente de TI” e “geração Y” regurgitando regras e certezas que nos impedem de ver consumidores como seres humanos. Entre os preconceitos que você citou, o pior é achar que uma “classe”, qualquer classe é ignorante. Aí o cliente exige: faz mais direto! Faz mais simples! Na verdade, ele quer mais básico. E atrás de palavras como objetividade e simplicidade se escondem nada mais que sentimento elitista e pensamento primário.

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