terça-feira, 14 de junho de 2011

Uma pausa para as bicicletas

Eu corro descalço, mas também ando de bicicleta. Vou aproveitar um espaço no meu blog pra ventilar um pouco… Tudo isso por causa deste tweet, que me levou a este blog.
Uma parcela considerável de motoristas de ônibus não tem a menor noção de desproporção entre o veículo deles e uma bicicleta. A seguir, breves histórias vividas por mim em Brasília:
  • Fui espremido por um ônibus que me ultrapassou, provavelmente porque achou que já tinha livrado a traseira de mim; eu ando a pelo menos 30 km/h, ainda havia meio ônibus pra me dar uma rabada. Encolhi os ombros e escapei. Fui educadamente falar com o motorista no próximo sinal e expliquei para ele tomar cuidado. Ela mandou eu andar na calçada (que, por sinal, não havia no local). Eu disse que bicicleta é um veículo e deve dividir a pista. "Veículo? Cadê a placa?" foi a tosca conclusão do motorista.
  • Espremido de novo por um ônibus, encontrei-o na próxima parada e perguntei se ele não me tinha visto. Ele falou que viu, mas teve que me espremer à direita pra não bater no carro do seu lado esquerdo. Olha a barbaridade! O carro e o ônibus sofreriam um arranhão, teriam um retrovisor quebrado. Eu? No mínimo escoriações pelo corpo todo, com possibilidade de fraturas, traumatismo craniano e passar por baixo de uma roda dupla do ônibus. Um espelho e um martelinho de ouro, é só o que vale minha vida?
  • Já não é fácil pedalar por aí, mas o DETRAN ainda dificulta. Para impedir o trânsito de veículos no acostamento em uma descida, foram colocados dezenas de quebra-molas espaçados em ±5m, impedindo o trânsito da minha bicicleta que, na ladeira, fazia uns 55 km/h. Pra variar, um ônibus me espreme, e eu sem poder ir para o acostamento pois minha speed iria simplesmente desmontar nos quebra-molas topográficos dali, me levando por terra. Me espreme, me espreme tanto, que eu limpei a lateral do ônibus (ele a uns 70 e eu a uns 55) com meu braço esquerdo enquanto berrava, querendo matar o desgraçado. Essa eu posso relatar como uma experiência de quase-morte.

O acidente de trânsito é banalizado pela legislação. Se eu disparar um revólver apontando não exatamente em sua direção, mas um pouco à sua esquerda, eu garanto que me enquadram como tentativa de homicídio, mesmo que evidentemente não tenha sido minha intenção te matar. Passe com um veículo de mais de 10 toneladas a 10 cm de um ciclista, que não chega a 1% do seu peso, e o que é isso? Nada. Talvez uma direção perigosa, mas cadê o guarda para autuar?

sábado, 21 de maio de 2011

Evoluídos para correr

“Correr estraga o joelho.” ”É muito impacto.” “Natação é o esporte completo.” Ouvimos de tudo por aí.

Vou mostrar aqui um trecho de um documentário da BBC. Nele você verá três africanos caçando o segundo maior antílope, o kudu (Tragelaphus strepsiceros). Apesar de não ser rápido dentre os antílopes, é bem mais rápido que qualquer ser humano. Oras, Usain Bolt não conseguiria alcançar sequer um esquilo. Somos comparativamente lerdos. Mesmo assim, esses três homens, sem veículos e apenas com lanças, perseguem e matam o animal.

(Clicando no ícone  cc  do vídeo, você pode escolher legendas em inglês ou português. #trabalhodecorno)

Moral da história: desde que descemos das árvores e nos aventuramos sobre dois pés pela savana, há uns 2,5 milhões de anos, diversas adaptações ocorreram que nos permitiram fazer o que Koroe faz no vídeo. Lanças, arcos e flechas, sapatos… tudo isso são invenções recentes, de uns 50.000 anos. Durante todo o resto da existência de nossos ancestrais, sobrevivemos e deixamos descendentes, "muito bem, obrigado", sem precisarmos desses apetrechos.

É claro que, com o crescimento dos nossos cérebros permitido pelo consumo de carne (foi mal, Aquino), pudemos criar diversas ferramentas que facilitaram o nosso desempenho de caçador e, eventualmente, nosso desempenho como espécie capaz de ditar o futuro do planeta (por pior que isso seja).

Correr é algo que fazemos naturalmente há dois e meio milhões de anos e evoluímos para isso. Se precisássemos de um calcanhar mais alto, com gel, bolhas de ar ou uma placa de amortecimento, a evolução nos teria dotado disso. Sapato deve servir para proteger os pés e não para deformá-los ou para atrapalhar a mecânica natural da corrida.

Mais informações sobre a nossa evolução como corredores neste artigo com Daniel Lieberman.

FiveFingers: confortáveis, mas estranhos

Quatro anos depois de serem mencionados como uma das melhores invenções do ano (2007) pela revista Time, os Vibram FiveFingers estão sendo vendidos no Brasil.

Mesmo preferindo correr descalço, eu tenho 2 modelos diferentes, um KSO e um Bikila, que uso para trabalhar, sair ou para correr. Neste último caso, só quando o terreno não permite correr descalço ou com uma huarache.

Usá-los atrai todo o tipo de comentário. Alguns acham legal, muitos apostam que é confortável, outros fazem careta por achá-lo esquisito. Todos acham que sou doido.

Deixando a psicopatologia de lado, quero falar um pouco do porquê ele parecer esquisito. Obviamente, os dedos separados são a primeira coisa a chamar a atenção. No entanto, acho que há uma característica mais sutil.

Ao separar os dedos dos pés, os FiveFingers os colocam numa posição neutra. Os dedos não têm que se moldar ao formato do sapato, podendo se espraiar, como um leque. Isso nos faz achar estranho o formato do pé de quem está calçando FiveFingers, até agora, sem bem saber porquê.

Vamos esmiuçar um pouco mais essa minha hipótese.

O esqueleto do pé é dividido em três partes: o tarso, o metatarso e os dedos (pododáctilos). O tarso, onde fica o calcanhar, é a parte que se articula à perna e que suporta a maior parte do peso do corpo em pé, parado. O metatarso é formado por cinco ossos, os metatarsais, que conectam o tarso aos dedos, por sua vez compostos de falanges.

Imagina-se que um sapato deve ser desenhado para se conformar à estrutura do pé para protegê-lo do piso e das intempéries, certo? Acontece que o design de um calçado leva mais em conta a estética e algumas outras limitações que mencionarei adiante. Esta imposição da estética já foi levantada em 1905, em um artigo do Journal of Bone and Joint Surgery [pdf]. Dele traduzo este trecho: “A sociedade, aparentemente, concorda que o pé humano, como formado pela natureza, é grosseiro, vulgar e de aspecto desagradável, e que sua largura, especialmente na altura dos dedos, é excessiva. Ela considera o pé pequeno, e especialmente o estreito, como o belo. O ditame da moda tem maior influência que a razão.”

Esse artigo (“Conclusions drawn from a comparative study of the feet of barefooted and shoe-wearing peoples”) explica muito o sofrimento que passamos diariamente ao calçarmos os nossos sapatos e as bolhas que surgem quando corremos com eles. Os povos descalços, durante toda a vida, mantém o alinhamento do hálux (“dedão”) com o primeiro metatarso, como os pés dos bebês.

Compare os pezinhos fofinhos acima com o pé de um jovem que nunca calçou um sapato. Note o alinhamento do hálux com o calcanhar e a semelhança com um pé de bebê (forcei a amizade?).

Você pode dizer que isso não é uma característica do andar descalço, mas da “raça”, já que foram estudados povos das Filipinas e pigmeus africanos. Do mesmo jeito que negros têm lábios mais grossos e japoneses, olhos puxados, esses povos poderiam ter pés estranhos. Como generalizar para a “raça” do ocidente, os caucasianos, já que andamos calçados atualmente? Basta olhar o passado. Note os dedos alinhados e o espaçamento entre o 1º e 2º dedos de um dos Bronzes de Riace abaixo, uma escultura grega, portanto de um modelo caucasiano, de quase 2500 anos atrás.

Ainda não se convenceu? Ainda daquele artigo, tiramos uma foto que compara os moldes de um pé de um jovem Bagobo (das Filipinas) que sempre andou descalço (E) com o de um jovem que começou a usar calçados por apenas alguns meses (D). Veja que não só o hálux é desviado medialmente, para formar o bico do sapato, como o 5º artelho (o “dedinho“) também é desviado e rodado (supinado).

Como coup de grâce, mostro mais uma foto. Qualquer semelhança não é mera coincidência.

Os sapatos ocidentais provocam uma deformidade nos nossos pés comparável, em menor grau, naturalmente, aos pés amarrados das chinesas do passado. Mas a indústria calçadista é realmente sádica? Serão apenas motivos estéticos que a fazem desenhar calçados que não foram feitos para nossos pés?

Veja a resposta para essas intrigantes perguntas num próximo post.

Pé de Moça

A revista Runner‘s World brasileira de janeiro de 2011 trouxe na capa a reportagem sobre "Tênis Baixinhos", referindo-se a calçados minimalistas. Nenhuma surpresa aqui. Eu ficaria surpreso se a revista fizesse uma reportagem sobre corrida realmente descalça.

A Contra-Relógio de março de 2010 escreveu uma matéria que fala da corrida descalça, com opção de uso de calçados minimalistas. Uma ordem de grandeza melhor.

Ambas as revistas, porém, reforçam um mito sobre o pé do corredor descalço. Correr descalço cria calos. Falso! A Contra Relógio fala: "Mas até que você desenvolva boa postura e calos nos pés, pode ser necessário que você use um tênis mínimo para se habituar." Já a Runner's World praticamene apelou, usando do sensacionalismo, com a matéria "Homem Primata" (como se todos nós não fôssemos primatas), mostrando a história de Vitor de Oliveira, que viveu descalço até seus 15 anos, retornando às origens há cerca de um ano. Na abertura da matéria, em primeiro plano na foto de página inteira, os calos do pé dele.

Parece que a matéria quer mostrar que você precisa de um calçado minimalista se não quiser ficar com os pés calejados do Vitor.

Como mostrar que isso não é a regra, mas a exceção?

Uma imagem vale mais que mil palavras. E quanto valem 7 imagens, de 6 diferentes corredores descalços? (Abaixo de nossos nomes, o tempo que já corremos descalços.)

Leonardo Liporati
>5 anos

Algumas horas após a maratona de Curitiba


Fevereiro de 2011
Caio Begotti
>1 ano
Aquino Neto
>4 meses
Erik YetiNeves
>1 ano
Barefoot Todd and
Barefoot Ken Bob

100 e >76
maratonas descalços

Lembrando que Aquino subiu descalço a Serra de Itabaiana, em Sergipe, junto com Alex, também um vegetariano descalço. Sente a pedreira.

Mas por que Vítor tem esses calos? Não tive como entrar em contato com ele, mas, pelo que vi numa foto da reportagem, talvez seja porque ele corra com a técnica errada. A foto o mostra aterrissando como se estivesse de tênis: com o joelho reto e com o pé em dorso-flexão, pronto pra sentar uma martelada no chão com o calcanhar.

Achou que foram poucos exemplos? Ainda acha que fazemos pedicure com esmeril? Então veja fotos de solas de diversos pés, lá no site do Barefoot Ken Bob Saxton.

Não tema. Correr descalço não vai transformar seu pé num casco. A pele tem que se adaptar e fica mais espessa, sim, mas continua maleável (poderia quase dizer macia, mas escapa por pouco) e não fica calosa ou ressecada. Aliás, pé de moça não! Corredores descalços não passam horas na pedicure lixando os calos criados por sapatos apertados e torturantes saltos altos.

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Naming dilemma | Farinha do mesmo saco?

My next post was going to be about running shoes. Their evolution from the moccasins of the first half of the 20th century to the heavyweights of the 00's, and their current involution. Then, a fundamental issue came up and it became impossible to write further without dealing with it.

There are basically two genera of minimalist shoes: the ones that evolved from running shoes and the ones that evolved from bare feet. Although some may argue that this is a classical example of convergent evolution, they are completely different beasts.

Huaraches, Vivos, Zems, Vibrams, Feelmaxes, Skoras and the like are completely different from the New Balance MT 101, Nike Free, Saucony Kinvara, Inov8 X-Talon 160, running flats and such. They have different heritages and phylosophies, and, most importantly, different feel and structure.

For this reason, I cannot call them all "minimalist shoes". "Barefoot shoe" is an oxymoron and simply not true. Even the most minimalist of the shoes does not compare to running truly barefoot. So what should we name these two classes of shoes? The ones that evolved from barefeet and the ones that evolved from running shoes?

I'm waiting for your suggestions on the comments below. Or am I talking about a non-issue?

Feelmax Osma (46, Blue/White)Vibram Five Fingers Bikila - Men's (47, Light Grey/Red/Grey)Terra Plana Evo Trail Run Shoe - Women's Yellow, 41.0Playa High (X-Large, Black/Aqua)New Balance Men's MT101 Trail Running Shoe,Green,10.5 D USSaucony Progrid Kinvara Running Shoe,White/Red,12 M USInov-8 Junior X-Talon 160 Trail Running Shoes - 4Nike Men's Free Run+ Running Shoes, 8.5, Black/Silver/Anthracite/Lemon Twist
Meu próximo post seria a respeito dos tênis de corrida. Sua evolução dos mocassins da primeira metade do século 20 aos pesos-pesados da primeira década dos anos 2000, e a sua atual involução. Então surgiu um problema fundamental e simplesmente não dá para escrever antes de resolvê-lo.

Existem basicamente dois gêneros de tênis minimalistas: os que evoluíram dos tênis de corrida e os que evoluíram de pés descalços. Embora se possa argumentar tratar-se de um caso de convergência evolutiva, eles são dois seres completamente diferentes.

Huaraches, Vivos, Zems, Vibrams, Feelmaxes, Skoras e semelhantes são completamente diferentes do New Balance MT 101, Nike Free, Saucony Kinvara, Inov8 X-Talon 160, running flats e afins. Eles têm diferentes heranças e filosofias e, principalmente, diferentes feelings e estruturas.

Por essa razão, eu não os posso chamá-los todos de "tênis minimalistas". "Tênis descalço" é um oximoro e simplesmente uma inverdade. Até mesmo o mais minimalista dos tênis não se compara ao correr realmente descalço. Então como devemos chamar essas duas classes de tênis? Os que evoluíram dos pés descalços e os que evoluíram dos tênis de corrida?

Estou aguardando suas sugestões nos comentários abaixo. Eu estou procurando chifre em cabeça de cavalo?