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Relato do encontro com Sylvia Leser de Mello

por André Pitol

O quinto encontro do programa Universidade de Projetos, evento que acontece durante a exposição Temporada de Projetos na Temporada de Projetos, foi ministrado pela Professora Sylvia Leser de Mello, do Instituto de Psicologia, e coordenadora do Clube de Trocas do Jardim Ângela, um empreendimento de Economia Solidária que integra o ITCP – Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares da USP.

Sua fala intitulou-se “Estar-em-projeto” e teve como mote o texto de Boris Groys, “A solidão do projeto”, texto indicado por Luiza Proença e Roberto Winter como uma das referências para o desenvolvimento da Temporada de Projetos na Temporada de Projetos.

Sylvia começou contando sua experiência na Incubadora, com o Projeto no Jardim Ângela. Ela parte da leitura do texto de Groys para introduzir algumas idéias de Jean-Paul Sartre, como o projeto nas ciências humanas, um projeto de intervenção coletiva, que funciona pela junção de pessoas para sobreviver, não podendo funcionar individualmente, como a Incubadora. Sylvia focaliza este aspecto como uma ação na contramão do que se tem objetivado fazer com as melhorias da sociedade de consumo, que, ao invés de pensar o coletivo, investe no individuo, tornando empresário de si mesmo.

Passando a focalizar o artista, ela diz ser um projeto solitário o do artista, mas que esta realização é válida. O isolamento, a solidão para a construção do projeto, é ligada ao sentido de desligamento da sociedade, que exige comunicação constante da população, não importando tanto o conteúdo. Este isolamento diz respeito a um tempo diferenciado que o autor deixa de se comunicar, sendo que no final deste processo deve-se mostrar algum resultado, produto: seja um livro, um filme...

Este tempo heterogêneo é tempo de solidão. Quando você está sendo pago – como bolsista ou como empregado para fazer um projeto – este isolamento é aceitável. Mas caso contrário, a sociedade não aceita a solidão, ela não aceita que o projeto exige distanciamento, não só do projeto, mas do projetista.
Um ponto que colocado é quando o resultado do projeto não pode ser apresentado de modo palpável, como os projetos religiosos, ou então políticos, como na Alemanha Oriental, ou então Cuba. Distanciamentos que não são vistos em obras.

Quando o projeto termina, chega a hora de voltar ao tempo comum, o que ela denomina “ressincronização”. No caso de Cuba, ela terá que entrar no mundo do capital, como a Alemanha Oriental teve que entrar nos eixos atuais.

Escolhas

Sobre a reflexão e as escolhas, o excesso delas ou o seu funcionamento, Sylvia cita o livro A consciência de Zeno (novela italiana de Italo Svevo, publicada em 1923), que conta a contestação do protagonista em parar de fumar, fazendo-o procurar um psicanalista. Ele começa a ter consciência dos seus movimentos, das ligações cerebrais para dar um passo. O que para nós é uma ação tranqüila, para ele se torna complexa a tal ponto que ele não consegue mais dar um passo sequer. Utilizando-o como mote sobre a reflexão, ele fala do excesso analítico do protagonista, que o leva a paralisia de ação.

Cotidianamente, não pensamos nos processos automáticos de realização, fazendo com que possamos realizar uma série de escolhas: ler este ou aquele livro, um trabalho, fazer protestos.
O importante é que a escolha não é teórica, mas realizada em ações, fazendo com que se projete para um futuro, pelas possibilidades das ações.

Retornando a Sartre, quando se faz um projeto de si mesmo, entramos no Processo do projeto. E quando nos perguntamos sobre qual seria o produto, Sartre nos mostra que o projeto é para toda a sociedade, que somos parte de projetos maiores do que o do individuo. O que nós fazemos são ações diretas de modificação social através dos projetos.

O projeto que vai se construindo é justamente a idéia de um processo que não está terminado. Desde nosso nascimento estamos em um processo, um vir-a-ser, a construção da produção de um ser humano.

Nova História

O conceito de história que temos é daquela linha temporal contínua, em linha reta, sem ruptura. Os documentos que possuímos são colocados nesta história, chamada Oficial. Já a Nova História propõe que a história é construída por rupturas. Faz uma pequena introdução colocando Walter Benjamin, no sentido de resgatar a história pela visão da ruptura e dos vencidos.
Mesmo através de uma seleção de trabalhos, numa exposição que mostram vários suportes em que uma obra foi pensada, esta apresenta idéias de que as rupturas são necessárias para entendermos o mundo contemporâneo.
Ela dá importância para o processo de arquivamento porque nele conseguimos ver a distinção de passado e futuro, fornecendo debate para a sociedade que não se interessa em estabelecer este momentos de reflexão diferentes.

Retornando ao arquivo, ele é como a anulação do tempo. Assim, o passado e o futuro se tornam irreversíveis. O ultimo risco do projeto é a consciência de que ele é falível, pois somos humanos passíveis de erros, e também marcados pela morte. Como o projeto é individual, o risco é seu e não do governo.