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Qual a tradução da palavra 'astonishment' para o português? Gabriel Navarro Colasso e Lucas Oliveira

relato por Gabriel Navarro Colasso e Lucas Oliveira

A oficina ministrada pelo artista Jorge Menna Barreto, realizada na tarde do dia 28 de novembro de 2009 na exposição "Temporada de Projetos na Temporada de Projetos", no Paço das Artes, propunha um exercício coletivo de tradução de texto. O texto, The trap slams shut ("A armadilha se fecha"), foi escrito pela crítica de arte Noemi Smolik e publicado originalmente pela revista de arte Parkett, em 1995. A tradução se lançava, supostamente, como questão central da oficina. Contudo, intermediados pelo exercício, os participantes tentaram articular juntos uma proposta específica para o termo, cuja tradução estaria comprometida por uma série de informações de áreas diversas, como a filosofia, a semiótica, a arte e a literatura. Adiantemos, pois, que o contato dialógico entre todas essas áreas, representadas pelos participantes da oficina, não encerrou a questão; não deu conta de gerar uma tradução com a qual todo o grupo estivesse de acordo, o que enriqueceu o encontro: o exercício poderia se estender como tarefa reflexiva para casa e plataforma para uma elaboração teórica continuada, ou seja, para além da oficina.

Antes de iniciar o exercício tradutório, fez-se uma introdução ao tema, assim como uma apresentação ao trabalho do artista sobre o qual a autora escreveu (Andreas Slominski). O grupo, composto por um público total de 15 pessoas - entre estudantes, artistas, filósofos, cineastas e um físico - foi dividido em 5 equipes de 3 pessoas. O texto, composto por 10 parágrafos, por sua vez, foi também dividido, e cada grupo se responsabilizou por traduzir dois destes, discutindo os termos e organizando a tradução da forma que fosse mais conveniente. O grande conflito estava na tradução do termo "astonishment". Depois da leitura de todas as partes, iniciou-se o debate em torno do termo.

Havia uma variedade imensa de sugestões: Espanto. Perplexidade. Suspensão. Abdução. Deslocamento. Dúvida. Estranhamento. Narkos. Amortecimento. Anestesiamento. Sublime. Repulsão. Assombro. Comoção. Horror. Mágica...




Dentre todas as sugestões, possivelmente, as que mais se aproximam da intencionalidade filosófica do "astonishment" sejam “espanto” e “perplexidade”, sendo este último, talvez, o de maior impacto e que melhor se adequa ao sentindo pretendido pela autora. O fato é que a expressão cria um espaço de trânsito entre aprovação e fascínio e também repulsão. Mas, fundamentalmente, ela deve originar desconforto e interesse. A questão do termo, ligada ao trabalho de Slominski, se deve ao estado de assombro em que a autora se coloca ao perceber a artimanha, a arapuca, na qual é colocada pelo artista. Ela faria um texto sobre Slominski e a sua obra. Quando travou contato com o artista, ele respondeu articulando algumas condições para a sua participação: pediu que a autora fizesse uma seleção de objetos pessoais como imagens para pensar, escrever, sobre o seu trabalho. Estes objetos deveriam substituir qualquer registro fotográfico de sua obra. A autora o faz, mas percebe que ela seria responsável pela construção de um aparato objetual e imagético que mediaria o contato do artista com o leitor e se põe astonished. Se o próprio texto já é, por si, uma ferramenta que media os dois extremos do trajeto pretendido -artista e leitor - a construção deste aparato faria dela, como autora do texto e produtora destes referenciais, a responsável por moldar e sugestionar, com maior intensidade, o olhar que se daria ao trabalho do artista. Apesar de tamanha responsabilidade, ela decidiu aceitar a proposta e escolher os objetos, tomada deste estado de assombro, ou de comoção, ou de horror, ou enfim.

No texto, após citar a situação em que se percebia (observada à distância, transformada em personagem e objeto de análise, suporte do estado de assombro, ou torpor, ou de dúvida), produtora do “perfil” de Slominski, ao se descobrir numa 'armadilha', sentindo uma mescla de raiva e arrebatamento que, apesar de tudo, a impulsionava a dar seqüência ao artigo, Smolik faz uma pequena, porém valiosa, digressão sobre o astonishment como sintoma de humanidade no decorrer da História. No trecho final, onde isso tudo é comentado, há uma passagem aristotélica fabulosa: “É através do espanto (ou perplexidade) que os homens começam e originalmente começaram a filosofar” (Metafísica, Livro I, 982b). Sensibilidade ímpar da crítica: tal alusão é corroborada pelo último parágrafo do texto, quando Smolik encara Slominski como alguém que, apesar do desencantamento do mundo, ainda é capaz de ser arrebatado e contagia os outros. A perplexidade ou arrebatamento move o homem à filosofia, à arte e ao consumo desta última; quiçá, este seja um dos maiores sentimentos do ser humano, decorrente da sua fragilidade ou poder de comoção.

Encerrado o exercício e posto o debate, fez-se uma lista de emails para que a conversa e a troca de material e referências, algumas artísticas, outras filosóficas, outras, ainda, semióticas, continuasse e para que cada equipe compartilhasse a sua parte da tradução, de forma que o produto final da oficina fosse o texto traduzido, à exceção do termo protagonista. Esa tradução coletiva deveria acompanhar o relato e receber um espaço nos sites da exposição e do artista, cuja obra perpassa questões dialógicas e de construção coletiva de sentido.

 

 

O encontro ocorreu no dia 28/11/2009, sábado, às 15h, no Paço das Artes, como parte do programa "Arte-projeto" da curadoria "Temporada de Projetos na Temporada de Projetos"

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Número 2