Obsessão Infinita
Alertaram-me, alguém, com o encarte da exposição nas mãos, para que não deixasse de assistir a amostra de Yayoi Kusama no CCBB.
Deixei a ideia no canto do olho e, vez por outra, me deparava com o panfleto estampando a artista de vermelho, em meio às muitas e incontáveis rubras bolas, sobre o fundo branco de almofadas penianas.
Causada, estive dias a dialogar comigo mesma, se gostaria de com ela compartilhar sua arte interativa, nada enigmática, ao contrário, lívida e clara, de sua percepção do real.
As cores são apenas o canal para o acesso ao sentido dado ao inexplicável.
O real se tivesse cor seria negro, pois traria em si a impossível fusão de todas as mentiras, todos os sentidos, cores e meias verdades.
Atenta, ao pulsar de meu coração, adentrei cautelosa por entre a exposição, munida de apenas um olho e um pé.
Levei os dois ouvidos, já que fui, indo, tatearia a possibilidade de fazer signo com o efeito discursivo da obra de Kusama.
Deixei no armário de minha ilusão a certeza de que acredito em todas as besteiras preditas a cada dia pela cartilha dos que me ensinam que vale a pena, desse lado, viver.
Edifícios, canetas, ônibus, contas a pagar, falsas entregas a receber e toda aquela soma de enfastiados significantes, cansados de derramar tintas e cores por nossas ideias sentidas e avessas às instituições psiquiátricas.
Até que conclua o contrário, penso que é melhor ficar presa do lado de cá dos porões da verdadeira liberdade camusiana e tentar fazer eco com a arte libertária que interroga o saber sabido.
Assim fui dar minhas mãos ao império sensorial dessa artista que, desde sempre, gritou que não seria penetrada por pênis longos e destruidores.
De cara, ou melhor, falando, de costas para o espelho de nossa imagem, já percebemos o desconforto de sua arte a nos dizer que algo de seu incômodo é nosso também.
A profusão das repetidas formas, imagens, cores e traços, nos remetem ao fastio das informações massificadas, em nós escondidas e que gritam ao se depararem com o infortúnio expresso em sua produção artística.
Diante de tamanha coragem nos sentimos acovardados, percebemos, com nossa emoção, que a exuberância de seus explícitos sentimentos denuncia que há feitura de signo amoroso do outro lado da lei.
É de outra imersão simbólica que a artista capta o indizível e traduz em ato sua surpresa diante do real desacorrentado das palavras ditas.
Que pênis são esses que nos invadem ditando regras e revestidos de um fálico poder inquestionável?
Yayoi Kusama diz o que sabemos, mas calamos, para não ter que pagar, em ato, o preço da mudança discursiva.
Observei que nos idos de sua obra, quando jovem, seus olhos transmitiam menos angustia, denotando a esperança de agregar valor social com aquilo que via.
É o tempo da fresca juventude, das performances, das instalações conclamando a todos a interação ativa com um novo olhar.
Na precoce maturidade a que cedo é acometida, quando não consegue dar força política a sua fala, ao se perceber representante de causa falida, seu olhar invade-se pelo peso das concretas palavras mortas. Angustia-se.
Yayoi Kusama se libertou e imbuída de louca sanidade fixou residência, voluntariamente, numa instituição psiquiátrica.
Continua trabalhando em sua arte e agora apaziguada, provavelmente, com pílulas vermelhas, produz pinturas capazes de adornar com brilho e genialidade as paredes de nossos museus.
Como dizia Lacan: louco é para quem pode e não para quem quer.
Exposição - Yayoi Kusama: Obsessão Infinita
12 Out a 20 Jan
Local: Rotunda, 1º e 2º andares | CCBB RJ
Horário: Quarta a segunda. das 9h às 21h
2 Notes/ Hide
- bluuepurple liked this
- olhosdegatoblog posted this